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terça-feira, 27 de agosto de 2013

Mãe! Eu quero ser médico cubano quando eu crescer!

A
 maioria das pessoas não consegue perceber a história passando por elas, e continuam vivendo sem perceber  mudança dos tempos e continuam sempre com a mesma visão deturpada e limitada diante da vida, sempre mantendo os seus preconceitos e os defendendo com unhas e dentes sem saber até que às vezes as suas posições estão sendo derrotadas.
 
            Nós nos moldamos através de referências e o cerne desta crônica são estas referências. Eu imagino agora um garoto negro de periferia pobre de qualquer cidade no Brasil, começando agora a ter estas referências. Em toda a minha vida só  conheci um médico negro e ele sequer era brasileiro, era angolano, imagino todas as crianças de pele escura que tiveram ausência de referências em toda a vida e acabo percebendo o quanto as coisas estão mudando e o quanto o meu país é mal resolvido, já não são o bastante  todos os preconceitos que já temos, estamos agora tendo uma revelação de mais de umas facetas do campeão do mundo em termos de preconceitos.

            A mãe poderia responder: “Meu filho, você não pode ser cubano, pois nasceu no Brasil, não sei poderia se nacionalizar por lá, mas é mais fácil ser um médico brasileiro”, analisando friamente, um médico negro no Brasil seria mais difícil de acontecer do que se tornar cubano, mas as referências estão aparecendo.

            Tenho visto muita bobagem sendo dita com relação a cotas nas universidades, por exemplo, que são um instrumento que estão revolucionando o país em todos os aspectos, mudando inclusive as perspectivas de gente que nunca teve perspectiva, antes diziam que haveria confronto racial e até hoje nenhum foi documentado e isto contraria até a realidade social, pois até agora não conheço um negro consciente que tenha dito que no Brasil nunca tenha sofrido preconceito, ou seja, o que não acontece dentro das universidades acontece fora todos os dias. Disseram também que os cotistas iriam fazer com que o nível de educação referente às universidades iria cair e o que acontece hoje é que presidentes de instituições vão à TV dizer que a inclusão dos negros nas universidades públicas está fazendo crescer a educação e que o desempenho dos cotistas é muitas vezes melhor que os dos não cotistas.

            Se não temos um número expressivo de médicos negros no Brasil, os que vieram de Cuba já demonstraram uma mudança de paradigma, em uma só levada de poucos médicos que já chegaram aqui, na televisão pude ver muitos negros, muito mais do que o único que eu vi em toda a minha vida,  foram chamados 400, mas serão 4000 até o final do ano se não me engano do prazo.

            O preconceito racial, pelo resultado magnífico das cotas raciais e sociais está em vias de início de rejeição, mesmo que isto seja incipiente, parece que existe agora um caminho que antes não existia, abriu se um furo de alfinete em uma gigantesca parede de concreto e dá para se ver o outro lado, mesmo que ainda limitado e com poucos tendo a real oportunidade de refletir sobre os fatos, mas o Brasil está mudando para a melhor, pois dá vontade até de vomitar só em pensar de um país em que se dizia que não tinha preconceitos, mas onde estes são arraigados e de tão costumeiro passam despercebido tanto pelos opressores quanto pelos oprimidos.

            Brasileiros não satisfeitos com os papeis que nossa sociedade perversa, opressora e excludente já determina a muitos, agora uma nova faceta do mau caráter brasileiro se apresenta, além de ser racista, sexista, homofóbico, preconceituoso estético, o nosso belo povo brasileiro agora pode receber sem qualquer pudor o título de xenófobo, estamos merecendo esta desonra, pois agora as vítimas são médicos estrangeiros, que mal acabaram de chegar já estão sofrendo de perseguição do Conselho Federal de Medicina, inclusive sendo ameaçados de ser denunciados em delegacias por prática ilegal de medicina, isto feito pelo próprio presidente da entidade.

            Aqui no Brasil, os médicos estrangeiros passam pelo tal do Revalida, só que nenhum médico brasileiro passa por um exame deste tipo, portanto, o tal exame tem feito o brilhante papel de reprovar médicos com provas que provavelmente também os brasileiros seriam reprovados, isto é não é mais do que a repetição de técnicas já conhecidas de segregação.

            O Brasil possui bons médicos, mas a Medicina no Brasil não é referência, pois a melhor de nossas universidades (se é possível apontar alguma) não alcança o número 200 dentre o rol das melhores do mundo, portanto é difícil trazer médicos para o Brasil que sejam menos preparados que os médicos brasileiros, nem todos são Randas  Batistas, Pitanguis e nem todos são dedicados ao paciente quanto o médico Francisco  Gregori (aquele que vendo a morte eminente da paciente, colou o coração dela com Superbonder, e depois disto a paciente Joana Messas Woitas ainda sobreviveu 14 anos, morrendo aos 82 anos em 2011).

            Os conselhos de medicina estão indo à luta de forma às vezes não muito legítima, mas já estão começando a tomar pau na cabeça com a negativa de liminares junto ao Supremo Tribunal Federal e estão inclusive incentivando o crime quando estão instigando aos médicos a denunciarem médicos estrangeiros por prática ilegal de medicina, pois falsa comunicação de crime também é crime neste país.

            No país de mulheres barradas em bailes por serem gordinhas,  de negros excluídos de cargos de importância, de deficientes sem o mínimo de atendimento às condições de locomoção e trabalho, de pobres que são alijados da possibilidade de mudar de nível social e agora por questões corporativistas o descortinamento da xenofobia, o brasileiro demonstra que possui preconceito de tudo e de todos, mas de uma forma ou de outra o enfrentamento de tudo isto pelo Estado está despertando nas pessoas um conflito positivo para que as coisas mudem, eu não estou falando destas passeatas sem objetivo que parece mais um Carnaval e que são apenas o estopim para destruição das cidades, roubando do povo o que é bem público através de desocupados mascarados sem qualquer tipo de objetivo social e que destrói o que não lhes pertence como indivíduos, pois não sei que melhora alguém pode querer destruindo agencias bancárias, derrubando postes, semáforos, queimando carros, invadindo câmaras legislativas e destruindo equipamentos, dá para saber que só querem a baderna e demonstrar a tendência criminosa.

            O que me dá esperança neste país, não é a juventude alienada que eu nem sei se já está perdida, nem os supostos participantes das passeatas, pois sequer sabem sobre o que estão protestando, o que me enche de esperanças é quando vejo um relato de uma criança que mora em uma palafita em que a mãe não tem dinheiro para comida, mesmo assistida por um programa do governo, dizer à mãe que a vida vai melhorar quando ela se formar, é fato de pessoas quererem sair das ajudas governamentais, é o fato de alguém já me ter dito que a família já foi beneficiaria do bolsa família e que hoje está na faculdade pública ou privada, o que me enche de esperança é a inclusão que está sendo feita à revelia de pessoas que não conseguem enxergar nem o outro e nem a si mesmo como realmente são: Meros seres humanos.

            As referências estão aparecendo, e apesar de eu já ouvir desculpas dizendo que negros, pardos e pobres enfim, cotistas não serão médicos no Brasil pelo preço dos livros de medicina, as coisas estão mudando tanto que talvez aquele garotinho negro entenda que o caminho correto não é negar a existência dos preconceitos, mas não se vergar a eles e apesar disto caminhar, pois assim estará sendo mais forte e de que perceba que não precisa ser cubano para ser médico.

           
Walmir Santos de Almeida